Penhora de salário para pagamento de obrigação não alimentar

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Penhora de salário para pagamento de obrigação não alimentar

“É possível a penhora de uma fração salarial desde que esta não comprometa a subsistência da parte devedora, mesmo que seja para quitar obrigação não alimentar”. A decisão é do ministro Marco Buzzi, integrante da 4ª turma do Superior Tribunal de Justiça, que permitiu a penhora de 25% do salário de duas mulheres para pagamento de título extrajudicial, baseado em cédula de crédito bancário, dívida contraída com uma cooperativa de crédito de Santa Catarina.

Na decisão, o Ministro afirma que segundo entendimento recente do tribunal, “a regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (artigo 649, IV, do CPC/73; artigo 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família”(EREsp 1.582.475).

Justifica ainda sua decisão citando um acórdão de um julgado de outubro de 2018 do próprio STJ:

“O Novo Código de Processo Civil, em seu artigo 833, deu à matéria da impenhorabilidade tratamento um tanto diferente em relação ao Código anterior, no artigo 649. O que antes era tido como ‘absolutamente impenhorável’, no novo regramento passa a ser ‘impenhorável’, permitindo, assim, essa nova disciplina, maior espaço para o aplicador da norma promover mitigações em relação aos casos que examina, respeitada sempre a essência da norma protetiva”.

Conclui sua decisão afirmando que essa seria a orientação jurisprudencial consolidada por este Superior Tribunal de Justiça sobre o tema. Assim, com base na Súmula 568 do STJ, que permite ao relator decidir monocraticamente quando houver entendimento dominante sobre o tema, o Ministro reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, permitindo a penhora parcial do salário das duas devedoras.

Válido ressaltar que de tal decisão ainda cabe recurso, mais especificamente Agravo Interno, conforme artigo 259 do Regimento Interno do STJ. Entretanto, vale mencionar também que não há reais possibilidades de sucesso, haja vista que tal entendimento já foi consolidado não apenas pelo Ministro Relator que proferiu a decisão, como também pela 4ª Turma do STJ.

Nesse cenário, em um outro julgado recente (AREsp 1.336.881), mais um Ministro também integrante da 4ª Turma, Raul Araújo, a impenhorabilidade do salário também foi relativizada. Porém, neste caso, o objeto da lide tratava-se de dívida contraída entre pessoas naturais e era originaria de aluguéis de natureza residencial, ou seja, compromisso financeiro de caráter essencial para a vida de qualquer pessoa.

Segundo o Ministro, a preservação da impenhorabilidade, nesse caso em específico, “traria grave abalo para as relações sociais”, pois criaria dificuldade extra para os assalariados que precisassem alugar imóveis para morar. Vejamos:

“Descabe, então, que se mantenha imune à penhora para satisfação de créditos provenientes de despesa de aluguel com moradia, sob o pálio da regra da impenhorabilidade da remuneração, a pessoa física que reside ou residiu em imóvel locado, pois a satisfação de créditos de tal natureza compõe o orçamento familiar normal de qualquer cidadão e não é justo que sejam suportados pelo credor dos aluguéis. ”

O Ministro, ao acolher parcialmente o recurso interposto, determinou a penhora de 15% dos rendimentos brutos mensais do executado.

De tal modo, percebe-se que os dois casos apresentados são completamente distintos, mas com decisões similares. Sabe-se que o direito não é estanque. É dinâmico, inovador. O entendimento de sua essência ou natureza, bem como de suas necessidades, explicações e modificações, não pode ocorrer de forma isolada, mas sim em conjunto com todos os fatores de influência.

Desta forma, mesmo não sendo o direito algo engessado, exige-se um mínimo de cuidado com as modificações/atualizações, quer sejam elas legislativas, quer sejam elas judiciais, pois se faz necessário a existência do que chamamos de segurança jurídica e o respeito aos princípios basilares e garantias constitucionais.

 

Artigo

Dr. Lucas Andrade Santos

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