Do dever de prestar contas previsto no Art. 1º VII, do decreto-lei Nº 201/1967 e seus reflexos penais

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Do dever de prestar contas previsto no Art. 1º VII, do decreto-lei Nº 201/1967 e seus reflexos penais

Positivado desde a Revolução Francesa, constitui um dever inerente do administrador público a prestação de contas referente à gestão dos bens e interesses da coletividade. A gestão da coisa pública deve, portanto, ser transparente e seus agentes devem prestar contas de seus atos. No âmbito da gestão executiva municipal, a consequência penal pela ausência da prestação de contas da aplicação de recursos, empréstimos subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer título, está contida no art. 1º, VII, do Decreto-Lei nº 201/1967.

Trata-se, portanto, de crime de responsabilidade, punido com detenção de 03 (três) meses a 03 (três) anos. Aquele que for condenado terá, ainda, a perda de seu cargo e a inabilitação para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação por 05 (cinco) anos, sem prejuízo da reparação civil do dano porventura causado ao patrimônio público ou particular. De início, é relevante destacar que tal delito se consuma somente após o fim do lapso temporal fixado para a efetiva prestação de contas.

Nesse contexto, caso o prazo para a prestação de contas finalize após o término do mandato, é dever do gestor sucessor apresentar a prestação de contas relativa ao ano anterior, ainda que os recursos tenham sido movimentados pelo agente político pretérito. É como entende a jurisprudência:

PENAL. OMISSÃO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS DO PNAE. DECRETO-LEI 201/1967. PREFEITO. MATERIALIDADE E AUTORIA NÃO COMPROVADAS. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. O contexto probatório dos autos é insuficiente para imputar à ex-prefeita o delito mencionado na denúncia (art. 1º, VII – DL 201/67), seja pela ausência de provas da sua intenção em se omitir na prestação de contas, seja pelo fato de o dever de prestação de contas efetivamente não lhe incumbir, senão ao seu sucessor, em razão do término do seu mandato, em 31/12/2008. 2. Apelação desprovida. (TRF-1 – APR: 0013391292011401370000133912920114013700, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL OLINDO MENEZES, QUARTA TURMA, Data de Publicação: 20/03/2019) (grifei)

 PENAL. PROCESSUAL PENAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ARTIGO 1º, VII, DO DECRETO LEI N. 201/67. EX-PREFEITO. PRESTAÇÃO DE CONTAS A DESTEMPO. CONTAS APROVADAS POSTERIORMENTE AO TÉRMINO DO MANDATO DO ACUSADO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA AÇÃO PENAL. NÃO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A justa causa para a ação penal está relacionada com a existência de um mínimo de provas que demonstrem indícios de autoria e materialidade do delito. Justa causa é o conjunto mínimo de indícios e provas que permitem, sem a segurança exigida no caso da sentença de condenação, avançar no juízo penal iniciando-se a persecução. 2. O simples atraso na apresentação de contas, por si só, não é suficiente para a caracterização do crime tipificado no art. 1º, VII, do Decreto-Lei n. 201/1967. 3. Constatado o término do mandato do acusado antes de expirado o prazo para prestação de contas do convênio, verifica-se inexistir justa causa para imputação do delito previsto no art. 1º, VII, do Decreto-Lei nº 201/67 ao denunciado, que não mais era o responsável pela prestação final de contas. 4. Verificado, através dos Acompanhamentos de Obras e pelo Registro de Aprovação SIAFI nº 2013NS011217, que o denunciado efetivamente prestou contas, ainda que fora do prazo, estando devidamente aprovadas (fls.14/15). 5. Recursoem sentido estrito não provido. (TRF-1 – RSE: 00242916620144013700 0024291-66.2014.4.01.3700, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO, Data de Julgamento: 21/11/2017, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: 01/12/2017 e-DJF1) (grifei)

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. OMISSÃO NO DEVER DE PRESTAR CONTAS (ART. 1º, VII, DO DECRETO-LEI Nº 201/67). PRAZO EXPIRADO NA GESTÃO DO SUCESSOR. RESPONSABILIDADE. AUSÊNCIA. (…) Resta claro, portanto, que a responsabilidade para a prestação de contas dos referidos recursos caberia ao sucessor do denunciado, de acordo com a Súmula nº 230 do TCU. 4. Apelação improvida. (TRF-5 – APR: 12455620104058201, Data de Julgamento: 23/05/2013, Primeira Turma) (grifei)

Em outras palavras, constatado o término do mandato antes de expirado o prazo para prestação de contas do convênio, é de se reconhecer a ausência justa causa para imputação do delito previsto no art. 1º, VII, do Decreto-Lei nº 201/67 ao ex-gestor, que não mais era o responsável pela prestação final de contas. Portanto, cabe ao ex-gestor tão somente fornecer a documentação pertinente ao Prefeito eleito quando da transição, sobre o qual recaía a obrigação legal de remeter à Corte de Contas a Prestação Contábil.

Inclusive, o próprio Tribunal de Contas da União sedimentou referido entendimento através da Súmula nº 230, ex vi:

 

SÚMULA Nº 230: Compete ao prefeito sucessor apresentar as contas referentes aos recursos federais recebidos por seu antecessor, quando este não o tiver feito ou, na impossibilidade de fazê-lo, adotar as medidas legais visando ao resguardo do patrimônio público com a instauração da competente Tomada de Contas Especial, sob pena de co-responsabilidade.

Caso o Prefeito anterior não deixe no Município os documentos necessários, basta que o novo gestor o represente e dê início à Tomada de Contas Especial, sob pena de, não fazendo, ser considerado corresponsável. Aqui, o ex-gestor responderia, ao menos em tese, pelo crime de sonegação de documento público, previsto no art. 314 do Código Penal, punido com detenção de 01 (um) a 04 (quatro) anos.

Ademais, cumpre esclarecer que os bens jurídicos tutelados pelo tipo penal em comento são, principalmente, a moralidade administrativa e os recursos públicos. Em razão disso, a demora na prestação de contas, por si só, não é suficiente para a configuração do crime, configurando o mero atraso perturbação social de ordem mínima, que não justifica a intervenção do Direito Penal.

Segundo entendimento perfilhado pelo Superior Tribunal de Justiça, para a consecução do delito há que se verificar a vontade livre e consciente de sonegação das informações necessárias e obrigatórias à aplicação dos recursos públicos. Em outros termos, a norma penal não procura punir o mero deslize burocrático, perfeitamente justificável e reparável por ato imediatamente posterior.

(…) 1. O simples atraso na apresentação de contas, por si só, não é suficiente para a caracterização do crime tipificado no art. 1º, VII, do Decreto-Lei n. 201/1967. 2. Considerando que o escopo do dispositivo é a proteção do erário ou da moralidade administrativa, para que ocorra a violação do bem jurídico tutelado é imprescindível a vontade deliberada do agente público em sonegar informação; o que exclui o mero deslize burocrático, supervenientemente reparado, do âmbito de incidência da norma penal (…). (REsp nº 1485762, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 23.10.2014) (grifei)

Desse modo, eventual atraso na prestação de contas, simples falta administrativa, sem demonstração do elemento subjetivo de causar prejuízo ao erário, não configura o aludido tipo penal. Faz-se necessário, assim, a comprovação do dolo do agente de se omitir no cumprimento do seu dever legal.

 

Artigo

Dra Glenda Moreira

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