A terceirização na Administração Pública sob o aspecto do STF
A reforma trabalhista implementada pelo governo federal abarcou, basicamente, duas leis ordinárias. A Lei 13.429/17, que alterou a Lei 6.019/74, tratando da ampliação das hipóteses de terceirização de mão de obra; e a Lei 13.467/17, que alterou diversas disposições da CLT, tornando mais flexível a regência das relações de trabalho no setor empresarial.
O julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da ADPF 324 (relator ministro Roberto Barroso) e do Recurso Extraordinário 958.252, com repercussão geral reconhecida (relator ministro Luiz Fux), ambos compreendendo como constitucional a terceirização de atividades-fim nas empresas em geral, revisitando a posição contrária firmada pela Justiça do Trabalho (Súmula 331/TST), o referido julgamento interferiu na Administração Pública Federal.
O resultado do referido julgamento é o Tema 725 da repercussão geral do STF, com a seguinte redação : “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.
O proveito desse novo entendimento legislativo e jurisprudencial ao setor público exige equilíbrio e ajustes. A terceirização na administração pública é uma realidade em qualquer sítio, no entanto, é necessário separar sua atuação para administração direta, autarquias e fundações públicas — e para as empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias (parciais ou integrais).
É comum que às empresas estatais e subsidiárias confirme maior liberdade para uso da terceirização, conforme trata a redação do Tema 725 do STF, que expressamente cita às “empresas”, conduzindo, pois, a uma técnica de gestão descentralizada — “terceirização empresarial”.
Acontece que, três semanas após o Supremo Tribunal Federal aprovar a terceirização irrestrita, o Governo Federal editou o Decreto 9.507/2018 de em 21 de setembro, que trata sobre a execução indireta, mediante contratação de serviços da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades economia mista controladas pela União.
O decreto supra regulamenta o disposto no § 7º do art. 10 do Decreto-Lei 200/1967 e na Lei 8.666/1993, disciplinando a contratação de serviços terceirizados no âmbito da administração pública direta, autárquica e fundacional federal e das empresas estatais controladas pela União, em substituição ao Decreto 2.271/1997, que disciplinou a matéria nos últimos vinte anos.
Percebe-se que o Decreto nº 9.507/2018 no seu artigo 3º estabelece taxativamente o que não poderá ser objeto da terceirização na Administração Pública Federal direta, Autárquica e Fundacional, cabendo, portanto mencionar o texto do inciso I e sua interpretação ;
- que envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação, supervisão e controle (atividades-fim);
- que sejam considerados estratégicos para o órgão ou a entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o controle de processos e de conhecimentos e tecnologias (atividades estratégicas);
- que estejam relacionados ao poder de polícia, de regulação, de outorga de serviços públicos e de aplicação de sanção (atividade-fim);
- que sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou da entidade, exceto disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal (atividades meio, porém com superposição do plano de cargos e salários, configurando “terceirização de mão de obra).
Ademais, os serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios das mencionadas atividades (atividades-meio) poderão ser executados de forma indireta, vedada a transferência de responsabilidade para a realização de atos administrativos ou a tomada de decisão para o contratado, assim como não poderão ser terceirizados os mesmos serviços quando relativos à fiscalização e relacionados ao exercício do poder de polícia (artigo 3º, parágrafos 1º e 2º do Decreto 9.507/18).
Contudo, não é coerente permitir a terceirização de serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios de atos institucionais, estratégicos ou de regulação e proibi-los para os atos de apoio ao poder de polícia. É que os atos institucionais, estratégicos e de regulação são tão importantes quanto os atos de polícia. Todos eles têm o potencial de afetar a esfera jurídica de terceiros, direta ou indiretamente.
No que tange às empresas estatais e subsidiárias, a seu turno, estabelece o artigo 4º do Decreto 9.507/2018 que não serão objeto de execução indireta os serviços que demandem a utilização, pela contratada, de profissionais com atribuições inerentes às dos cargos integrantes de seus planos de cargos e salário, salvo se o emprego estiver extinto ou em processo de extinção, ou se contrariar os princípios administrativos da eficiência, da economicidade e da razoabilidade, tais como na ocorrência de, ao menos, uma das seguintes hipóteses:
- caráter temporário do serviço (Lei 6.019/74);
- incremento temporário do volume de serviços (Lei 6.019/74);
- atualização de tecnologia ou especialização de serviço, quando for mais atual e segura, que reduzem o custo ou for menos prejudicial ao meio ambiente;
- impossibilidade de competir no mercado concorrencial em que se insere.
Percebe-se, portanto, que a regulamentação federal reconhece maior espectro de terceirização para as empresas da União se comparadas com órgãos e entidades da administração direta, autárquica e fundacional.
Por fim, entendemos que a terceirização na Administração Pública permanece praticamente inatingido para as atividades –meio. No caso das empresas estatais e subsidiárias o critério garantidor da terceirização para atividades permanentes — independe de se tratar de atividade-meio ou atividades-fim — acontece principalmente quando não há relação das funções exercidas pelo terceirizado com as atribuições inerentes aos respectivos planos de cargos e salários.
Artigo
Dra Alina da Cunha Santana Cruz